A relação entre empresas e a acumulação de capital, por Thiago Martins Jorge
Neste texto, denunciamos uma certa miopia do pensamento administrativo em relação ao processo de acumulação de capital e indicamos que tal miopia impactava na forma como seus teóricos concebem não só as empresas, mas também a forma como estas atuam. Isso tem especial validade quando consideramos Lamoreaux, Raff e Temin (2003) no embate com Chandler. Nessa direção, é possível avançarmos sobre como as empresas se relacionam com o processo de acumulação, o que começaremos a esboçar aqui.
Primeiramente, para evitarmos confusões, podemos dizer que a expansão do capital acontece por meio de um ciclo de conversões. A conversão inicial envolve a transformação de capital em sua forma monetária para capital em sua forma produtiva (capital constante e capital variável). Na sequência, parte desse capital é convertido em capital-mercadoria. Esse capital-mercadoria, quando comercializado, converte-se novamente em capital monetário, mas agora de forma expandida, uma vez que, ao volume inicial soma-se o lucro (e, por trás dele, o mais-valor, mas ignoremos isso por enquanto). A partir daí, o ciclo se reinicia em escala ampliada.
Esses ciclos, no entanto, não ocorrem sem que algumas restrições sejam enfrentadas. A concorrência empresarial, por exemplo, determina os termos que delimitam a conversão de capital-mercadoria em capital-monetário. Ou, expressando o mesmo problema mas em termos mais superficiais, a concorrência impacta diretamente não apenas o preço de venda das mercadorias, mas quantas mercadorias poderão ser vendidas por esse preço.
Assim sendo, para que uma empresa atravesse vários ciclos de conversão em escala ampliada, ela deve acumular vitórias sobre os seus competidores. E, ao acumular vitórias, ela acumula recursos nos seus cofres, o que a torna uma competidora ainda mais poderosa.
No entanto, ainda que não possamos dizer que essa dinâmica seja desconhecida pelo pensamento administrativo (principalmente quando omitimos a dinâmica do mais-valor), o tratamento que confere a ela apresenta lacunas importantes. Através dessas lacunas, seus intelectuais podem, pelo menos no plano da lógica, conceber teorias que vão de encontro à própria dinâmica de acumulação.
A título de ilustração, façamos momentaneamente o exercício de analisarmos movimentos estratégicos que buscam maximizar a eficiência das empresas, sem nos atermos à dinâmica da acumulação.
Se o nosso trabalho é conceber possibilidades organizativas a partir de três grandes variáveis: (I) desenvolvimento tecnológico, (II) capacidades organizativas e (III) riscos transacionais; eu não preciso considerar o fato de que, se uma empresa está tendo sucesso, ela necessariamente terá que gerenciar um volume de capital cada vez maior e, consequentemente, deverá converter esse capital avolumado em mais meios de produção, mais força de trabalho, mais prédios, etc.
Nesse plano lógico, se um gestor estivesse tendo dificuldades em organizar sua força de trabalho – e, assim, não estivesse conseguindo gerar ganhos de escala -, seria factível conceber que poderia adotar um modelo organizacional mais enxuto, flexível e ágil. Se, no entanto, adicionamos, à equação, tanto o volume de capital acumulado pela empresa por ele administrada, quanto a expectativa do corpo acionário de que esse capital se avolume ainda mais, torna-se menos factível a possibilidade de converter instalações, maquinário e força de trabalho, num modelo de negócio enxuto, flexível e ágil.
No mundo real, contudo, o que estamos testemunhando é a movimentação dos grandes conglomerados sobre as empresas tidas como enxutas, flexíveis e ágeis (startups). Tal movimentação pode, no entanto, ser acompanhada por estratégias mercadológicas que favorecem um certo ilusionismo. Em outros termos, os grandes conglomerados, ao absorverem startups, podem optar por não criar laços aparentes, mantendo esses negócios como unidades relativamente autônomas; ou podem buscar cobrir sua imagem paquidérmica sob uma imagem de modernidade e flexibilidade. Um exemplo bem-sucedido disso é o da própria Toyota, que foi alvo dos debates entre Alfred Chandler e seus opositores (cf. Chandler, 2005 e Langlois, 2004).
Seria, portanto, tentador comparar essa movimentação dos grandes conglomerados à ação de um vampiro sugando o sangue fresco de vítimas na flor da idade, no entanto, tal analogia seria completamente descabida. Dentro da lógica do modo de produção capitalista, que é a lógica da acumulação, os grandes conglomerados são a real expressão do sucesso, enquanto que muitas startups só saem do papel por haver a expectativa de serem absorvidas, lucrativamente, por grandes empresas.
Admitir esse fato, no entanto, esbarra em problemas materiais que desaguam em questões ideológicas (as quais devemos discutir futuramente), o que cria um cenário delicado. A isso devemos adicionar que, como o pensamento administrativo (em especial, suas frações mais ligadas à prática empresarial) segue uma linha de atuação que, muitas vezes, aproxima as tarefas pragmáticas das tarefas propagandísticas, nem sempre é tarefa fácil acomodar os movimentos da acumulação sem levantar questionamentos sobre a racionalidade da organização econômica. Por outro lado, enquanto tais movimentos são retirados da equação, o pensamento administrativo perde, pelo menos parte, do seu poder de formular linhas de atuação sobre problemas concretos.
Ressaltamos, contudo, que num cenário econômico altamente restritivo, esse poder interventivo poderia não ser eficaz mesmo se fundamentado nas principais conquistas científicas. Para um maior aprofundamento, recomendamos a leitura deste texto.
Referências
Chandler, A. (2005). Response to the Symposium: Framing Business History. Enterprise & Society, Vol. 6, No. 1 , pp. 134-137.
Lamoreaux, N.; Raff, D.; Temin, P. (2003). Against Whig History. Enterprise & Society, Vol. 5, No. 3, p. 376-387.
Langlois, R. (2004). Chandler in a larger frame, markets, transaction costs and organizational form in history. Enterprise & Society, Vol. 5, No. 3, p.355-375.
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