Citação: Baran, Sweezy e as diferenças entre o dirigente empresarial e o "magnata"
O trecho abaixo merece atenção por uma série de razões. Uma delas, é o fato de refletir um tipo de ideário que marcou as primeiras décadas do pós 2ª GM e segundo o qual a ordem capitalista havia entrado numa nova fase. Nessa fase, alguns problemas seculares (como o problema das crises econômicas) estariam sendo superados pela combinação de pelo menos três grandes novidades: (i) uma nova orientação de atuação dos gestores políticos do capital; (ii) consolidação das grandes empresas monopolistas que, por tabela, representavam o arrefecimento da competição empresarial e (iii) pelo surgimento de uma linha de gestão mais racional, que teria desenvolvido instrumentos capazes de controlar parte do caos capitalista e, por tabela, estaria desencorajando a adoção de práticas especulativas. Logo na sequência, vieram os grandes problemas dos anos 1970s, que se encarregaram de demonstrar que os velhos problemas continuavam existindo. No entanto, parte desse ideário insiste em se renovar, mas, agora, não como uma descrição da realidade existente, e sim como uma espécie de receituário que nos permitiria remediar o problema. O trecho abaixo, contudo, escrito nos anos 1960, nos fornece uma boa dose de ceticismo quanto à potência desse novo receituário, além de jogar luz sobre a história real.
“A grande sociedade anônima começou a surgir na segunda metade do século XIX, primeiro nos campos das finanças e ferrovias, estendendo-se à indústria, na passagem do século, e invadindo mais tarde outros setores da economia nacional. No caso típico, as primeiras empresas gigantes foram organizadas (ou, em consequência de uma fusão, falência ou outra emergência, caíram sem demora sob o seu controle) por uma classe de promotores financeiros, que se tornaram famosos na história americana como ‘barões ladrões’, ‘mongois’, ou ‘magnatas’ - denominações que refletem o sentimento popular de que o grande homem de negócios nos Estados Unidos, naquele período, assemelhava-se ao senhor feudal nos seus hábitos predatórios e falta de preocupação pelo bem-estar público.
(…) Homem muito rico, o magnata ainda assim não acreditava que devesse investir seus fundos de forma permanente nem mesmo nas empresas sob seu controle. Os bens da empresa representavam, em sua maioria, ‘dinheiro de outras pessoas’, manejado por ele com o objetivo de auferir lucros para si e não para elas (…).
[Do outro lado,] O dirigente empresarial de hoje [década de 1960] é um tipo muito diferente do magnata de há 50 anos. Sob um aspecto, ele representa um retorno aos dias anteriores ao magnata; sua principal preocupação é novamente a ‘vigilância e regulamentação de um determinado processo industrial ao qual sua sobrevivência está ligada’ (…).
[O magnata foi o] pai da empresa gigante, o segundo é o seu filho. O magnata permanecia fora e acima, dominando a empresa. O dirigente é um homem de dentro, dominado por ela. A fidelidade do primeiro é para consigo mesmo e sua família (...); a fidelidade do outro é para com a organização a que pertence e através da qual se expressa. Para o primeiro, a empresa era apenas um meio de enriquecimento; para o segundo, o bem da companhia tornou-se uma finalidade ao mesmo tempo econômica e ética. O primeiro roubava a empresa, o segundo rouba para ela.
Paul A. Baran e Paul M. Sweezy (1966), Capitalismo Monopolista: Ensaio sobre a Ordem Econômica e Social Americana, Rio de Janaeiro: Zahar Editores, p. 38-9.