Citação: Marx e a Lei Geral da Acumulação Capitalista
Já indicamos, em outras oportunidades (aqui, aqui e aqui), que o surgimento e a consolidação das grandes corporações é um fenômeno que alimenta intensos debates. Em alguns momentos (em especial nos anos 1960), a grande corporação foi saudada como expressão de uma racionalidade administrativa mais refinada; em outros (em especial, a partir dos anos 1980), foi vista como um elemento sabotador daquilo que seria a saudável competição empresarial. Fato é, como a passagem abaixo ajuda a evidenciar, que o surgimento e consolidação das grandes corporações, fruto dos processos de acumulação e centralização de capital, é um dos resultados lógicos e naturais da própria “lei geral da acumulação capitalista”.
Se aqui o capital cresce nas mãos de um homem até atingir grandes massas, é porque acolá ele se perde nas mãos de muitos outros homens. Trata-se da centralização propriamente dita, que se distingue da acumulação e da concentração.
As leis dessa centralização dos capitais ou da atração do capital pelo capital não podem ser desenvolvidas aqui. A luta concorrencial é travada por meio do barateamento das mercadorias. O baixo preço das mercadorias depende, caeteris paribus, da produtividade do trabalho, mas esta, por sua vez, depende da escala da produção. Os capitais maiores derrotam, portanto, os menores. Recordemos, ademais, que com o desenvolvimento do modo de produção capitalista cresce o volume mínimo de capital individual requerido para conduzir um negócio sob condições normais. Os capitais menores buscam, por isso, as esferas da produção das quais a grande indústria se apoderou apenas esporádica ou incompletamente. A concorrência aflora ali na proporção direta da quantidade e na proporção inversa do tamanho dos capitais rivais. Ela termina sempre com a ruína de muitos capitalistas menores, cujos capitais em parte passam às mãos do vencedor, em parte se perdem. Abstraindo desse fato, podemos dizer que, com a produção capitalista, constitui-se uma potência inteiramente nova: o sistema de crédito, que em seus primórdios insinua-se sorrateiramente como modesto auxílio da acumulação e, por meio de fios invisíveis, conduz às mãos de capitalistas individuais e associados recursos monetários que se encontram dispersos pela superfície da sociedade em massas maiores ou menores, mas logo se converte numa arma nova e temível na luta concorrencial e, por fim, num gigantesco mecanismo social para a centralização dos capitais.
Na mesma medida em que se desenvolvem a produção e a acumulação capitalistas, desenvolvem-se também a concorrência e o crédito, as duas alavancas mais poderosas da centralização. Paralelamente, o progresso da acumulação aumenta o material centralizável, isto é, os capitais individuais, ao mesmo tempo que a ampliação da produção capitalista cria aqui a necessidade social, acolá os meios técnicos daqueles poderosos empreendimentos industriais cuja realização está vinculada a uma centralização prévia do capital. Hoje, portanto, a força de atração mútua dos capitais individuais e a tendência à centralização são mais fortes do que qualquer época anterior. Mas mesmo que a expansão relativa e a energia do movimento centralizador sejam determinadas até certo ponto pelo volume já alcançado pela riqueza capitalista e pela superioridade do mecanismo econômico, de modo nenhum o progresso da centralização depende do crescimento positivo do volume do capital social. E é especialmente isso que distingue a centralização da concentração, que não é mais do que outra expressão para a reprodução em escala ampliada. A centralização é possível por meio da mera alteração na distribuição de capitais já existentes, da simples modificação do agrupamento quantitativo dos componentes do capital social. Se aqui o capital pode crescer nas mãos de um homem até formar massas grandiosas é porque acolá ele é retirado das mãos de muitos outros homens. Num dado ramo de negócios, a centralização teria alcançado seu limite último quando todos os capitais aí aplicados fossem fundidos num único capital individual. Numa dada sociedade, esse limite seria alcançado no instante em que o capital social total estivesse reunido nas mãos, seja de um único capitalista, seja de uma única sociedade de capitalistas.
A centralização complementa a obra da acumulação, colocando os capitalistas industriais em condições de ampliar a escala de suas operações. Se esse último resultado é uma consequência da acumulação ou da centralização; se a centralização se dá pelo caminho violento da anexação – quando certos capitais se convertem em centros de gravitação tão dominantes para outros que rompem a coesão individual destes últimos e atraem para si seus fragmentos isolados –; ou se a fusão ocorre a partir de uma multidão de capitais já formados ou em vias de formação, mediante o simples procedimento da formação de sociedades por ações –; o efeito econômico permanece o mesmo. A extensão aumentada de estabelecimentos industriais constitui por toda parte o ponto de partida para uma organização mais abrangente do trabalho coletivo, para um desenvolvimento mais amplo de suas forças motrizes materiais, isto é, para a transformação progressiva de processos de produção isolados e fixados pelo costume em processos de produção socialmente combinados e cientificamente ordenados.
O Capital - Livro I, K. Marx (2013).