É a reciprocidade entre economia e política, estúpido!, por Elcemir Paço Cunha
Onde se encontra o anabolizante da barbárie rejuvenescida
É a reciprocidade entre economia e política, estúpido!
Por Elcemir Paço Cunha (@PacoCunha) (@pacocunha.bsky.social)
Desde a repercussão da frase “é a economia, estúpido”, que pretendia explicar a preferência eleitoral nos EUA em 1992, ressurge de tempos em tempos sua lembrança diante de outras circunstâncias eleitorais. A evocação da frase não tem apenas amigos, mas também detratores que assessoram sua inversão. Seria a “política, estúpido”?
É na deficiência de suas posições excludentes que germina a má formação do economicismo e do politicismo. Nos ensinou Chasin que enquanto o economicismo é a redução do todo complexo social às abstratas “leis gerais da economia”, o politicismo é a redução desse complexo aos aspectos institucionais, ao meramente político. Como faces de uma mesma moeda, são ignorantes quanto ao caráter de condição geral dada pela estrutura econômica e em relação às reciprocidades existentes entre essa estrutura e a variada potência das intempéries do céu político. Assim, tendem a se apegar de modo ligeiro a aspectos tais como salários, inflação, juros etc., de um lado, e a certas circunstâncias a exemplo do descontentamento com as chamadas “democracias ocidentais” e suas “crises de representatividade”, de outro.
Tem sido o caso a respeito da ascensão de uma nomeada “extrema direita”, de linhagem esfumaçada, porém, conhecida, e hoje internacionalmente articulada, com viabilidade política em muitos países. Isso inclui Brasil, EUA, Hungria, Itália, Alemanha, para citar alguns dos casos mais notórios. Já há muitos quilos de papel a respeito dessa ascensão e que sublinham os ressentimentos e medos difusos, politicamente canalizados com apoio de redes sociais, a reação primariamente direcionada às questões morais e às fissuras da democracia liberal.
Uma apreensão de maior amplitude sugere ser necessário considerar a convergência de tendências sempre presentes as quais, no entanto, são ativadas por combinações históricas importantes. Isso se vê na consideração dos anos de 1930. O nazifascismo foi essencialmente uma resposta, sobretudo na Alemanha em que encontrou seu maior desenvolvimento, à uma crise econômica, à conturbação política e à limitação do capitalismo daquele país com relação ao acesso a matérias-primas e mercados consumidores. A expansão territorial beligerante foi uma expressão fundamental disso, como uma alternativa para a Alemanha naquele contexto de diálogo por meio das armas. No centro da discussão se encontrava o ordenamento do sistema global do capital, consolidado a partir da caçada humana de homo sapiens, da destruição maciça de capital, das compensações pelo sacrifício de guerra da classe trabalhadora e do aparato de regulação dali surgido. A espiral da acumulação encheu de esperança os corações nas duas décadas seguidas à guerra. Ainda agora esse período é demasiadamente superestimado.
Hoje é inegável que há um sentimento de estagnação em muitos países centrais e subordinados. Sopesadas a desigualdade dos efeitos entre os variados países, é muito claro que as rendas do trabalho foram rebaixadas nos últimos 50 anos, que a qualidade dos empregos é notoriamente desesperadora, que o acesso à habitação é excessivamente custoso. Há muitos outros fatores. Não obstante, não é uma crise aguda, como em 1929, mas é “rastejante”, para usar uma expressão de Mészáros (2012). Para muitos, é crise prolongada desde a década de 1970 quando o sentido da espiral da acumulação se inverteu e foi recuperada a patamar mais rebaixado, apesar de momentos curtos de respiro nas décadas seguintes. Desconsiderando contextos mais ou menos isolados, a economia capitalista foi exaurida, entre bolhas e declives, em sua capacidade transformadora, de sua força civilizatória.
Ao aspecto político da equação cabe atribuir a ausência completa de alternativas de futuro promissor. As promessas de melhores condições de vida, de prosperidade coletiva, sempre renovadamente apresentadas na ordem do dia – e que se adensam nos ciclos eleitorais –, são sem peias sacrificadas no altar da acumulação do capital dadas as suas insuficiências práticas em solucionar de fato as contradições internas da economia capitalista. No limite fadadas a acionar os mecanismos de regulação econômica, as respostas políticas se agarraram o quanto puderam às necessidades distributivistas para não matar a galinha dos ovos de ouro quando não lançaram países a conflitos bélicos até agora regionalizados. A ausência de futuro, verdadeiramente para frente, alimenta hoje as tendências reacionárias de muitas sociedades, tendências canalizadas em suas expressões políticas hodiernas em contexto diferenciado de descongelamento de um ordenamento global consolidado no final dos anos de 1980. Nesse derretimento hoje muito evidente – cujo resultado segue incerto –, elegeram inimigos internos e externos, como se vê nas Américas e na Europa nos últimos anos. Expandem-se os orçamentos militares, programam-se as fábricas da morte. Um “retorno aos tempos gloriosos” frequenta a boca de muitos dos candidatos a neo-Führer.
No conjunto, é uma economia política continuada nessas décadas e precisamente nisso se vê as reciprocidades entre a estrutura econômica e o céu político. É uma economia política do “prolongamento da utilidade histórica do capital e de sua forma capitalista de sociabilidade” (Chasin, 2000, p. 179) diante da ausência de alternativas viáveis para frente, que não sejam meras versões do espectro entre o conservantismo civilizado e o aberto reacionarismo. É de fato um prolongamento político dessa utilidade, uma administração da economia capitalista sem potência realmente modificadora. Terramorfa-se as condições objetivas e subjetivas para muitas coisas brotarem em termos de forma política entre bonapartismos abertos, geralmente militarizados, e autocracias burguesas que até aqui vigeram sob o manto da democracia liberal. O mesmo ocorre em termos “ideológicos”. Não é acaso que nesse contexto surjam reacionários amantes da tecnologia, tais como os que o Vale do Silício pariu e que hoje têm acesso direto ao governo da ainda maior economia capitalista. Na reciprocidade entre a economia capitalista sem impulso civilizacional e a expressão política irresolutiva de suas contradições essenciais encontra-se o anabolizante da barbárie rejuvenescida.
Referências
Chasin, J. (2000). A miséria brasileira: 1964-1994 – do golpe militar à crise social. Santo André: Estudos e Edições Ad Hominem.
Mészáros, I. (2012). Para além do capital. São Paulo: Boitempo.