Nomenclaturas imponentes e o mercado de ideias, por Thiago Martins Jorge
Como as narrativas de mudança obscurecem as continuidades do capitalismo
Nomenclaturas imponentes e o mercado de ideias
Por Thiago Martins Jorge (@ThiagoMarJor) (@thiagomjorge.bsky.social)
Criar nomenclaturas imponentes, para categorizar mudanças no panorama econômico, político e social, é uma constante tanto na literatura acadêmica quanto no jornalismo. Tal prática, além de ser muito recomendada no mercado de ideias, também alimenta uma perspectiva de que as coisas estão passando por grandes transformações, mesmo quando não é bem este o caso. Por outro lado, do mesmo modo como nomenclaturas são criadas, elas são também facilmente esquecidas, uma vez que devem constantemente ceder lugar para novas categorias (ou, o que é até mais comum, velhas categorias repaginadas).
No entanto, na medida em que o esforço de apreensão do movimento das coisas está mais atento às mudanças circunstanciais, é escanteado justamente o que é o mais essencial: o que, de fato, explica a ocorrência das mudanças superficiais (que, inclusive, indica o sentido em que essas mudanças devem seguir ocorrendo). Ou seja, no mercado de ideias, o valor científico/investigativo de um trabalho fica em segundo plano. O que de fato interessa é a sua capacidade de engajar o leitor (para usarmos um termo da moda).
Para não ficarmos em termos meramente teóricos, voltemo-nos para a dinâmica econômica desde o pós-2ª Guerra. No mercado de ideias, encontramos uma infinidade de títulos e categorizações que apreendem as mudanças que marcaram este período. Podemos mencionar, por exemplo, as narrativas que destacam a transição de um estado de bem-estar social para um modelo econômico, social e político regido pelo neoliberalismo. Verdade seja dita, essa mesma narrativa gerou uma infinidade de outras nomenclaturas análogas, mas com sucesso mercadológico variado.
Poucas, no entanto, captaram o movimento de fundo que elucida porque tais mudanças ocorreram. Talvez o que seja até mais indicativo do problema que estamos aqui trazendo, é que quando nos aproximamos do movimento de fundo, o contorno das mudanças assume formas menos impactantes, o que pode prejudicar o ritmo da narrativa e, portanto, gerar menor engajamento.
A transição de um idílico estado de bem-estar social para um mundo dominado pelas artimanhas neoliberais é um ponto sempre muito recheado de tensões e grandes fatos. Intrigas políticas e embates imaginários costumam dar o tom dessa transição e geram sentimentos intensos nos leitores atentos.
Por outro lado, quando partimos da lógica constituinte do modo de produção capitalista, o que no mercado de ideias é vendido como “grandes transformações”, nada mais é do que o agravamento de uma série de condições que persistem desde antes das duas grandes guerras (e até mesmo agora, quando muitos já decretam a “morte do neoliberalismo”).
Importante salientar que esta constatação fria não implica na sustentação de que mudanças não ocorreram ou que não são importantes. O “agravamento do quadro”, como colocamos acima, implica em, por exemplo, mudanças importantes no padrão civilizatório. A questão decisiva, portanto, não está no fato de haver mudanças ou não, mas sim no fato de que as mudanças acontecem justamente porque condições, mais decisivas, permanecem as mesmas.
Este ponto, contudo, não implica na inutilização do esforço em nomear e categorizar mudanças e transformações (ainda que se tratem de movimentos secundários). A capacidade de nomear coerentemente fenômenos reais contribui não só para o seu melhor entendimento, como favorece a transmissão de ideias. Do mesmo modo como categorias generalistas podem, a partir de determinadas condições, ganhar alguma utilidade comunicativa.
Nosso ponto, portanto, é que quando salientamos as mudanças e negligenciamos as continuidades, estamos alimentando uma série de diagnósticos que em muito se distanciam da realidade. Dentro da narrativa típica, construída em torno das categorias de estado de bem-estar social e neoliberalismo, poderíamos coerentemente sugerir que o retorno ao arranjo do estado de bem-estar social seria uma solução razoável para contornar a queda no padrão civilizatório que testemunhamos hoje.
Considerando, todavia, as continuidades muito mais decisivas (a lógica do capital), em nada adianta apostar em paliativos. Mas, para o mercado de ideias, gerar diagnósticos acertados é, na melhor das hipóteses, um feliz efeito colateral, enquanto o que de fato interessa é a venda de ideias por cifras recompensadoras.