Novos ataques do Capital Financeiro e um Executivo em negação, por Thiago Martins Jorge
Quando o que é dito e o que não é dito indicam, na mesma medida, quem são os vencedores e quem são os derrotados.
Novos ataques do Capital Financeiro e um Executivo em negação
Por Thiago Martins Jorge (@ThiagoMarJor)
Após meses de um já exaustivo debate sobre a necessidade de ajustamento das contas públicas - cercado por embates entre membros do Poder Executivo e parlamentares -, nas últimas semanas, vieram a público reflexões de diferentes gestores do capital financeiro. Tais reflexões merecem destaque, pois, apesar de tais gestores se colocarem como analistas isentos da conjuntura econômica brasileira, por meio de suas argumentações somos levados a conhecer um pouco mais de seus ideários, interesses práticos e, principalmente, o peso que vêm exercendo sobre a atuação dos gestores políticos.
Argumentamos há algumas poucas semanas, que no cerne de todo o burburinho envolvendo a atuação dos gestores políticos do capital, está a briga (inerentemente desigual) por fatias do orçamento público. Sugerimos também que a estratégia, já classicamente empregada pelos gestores do capital financeiro (visando maximizar sua participação no orçamento público), tem como centro argumentativo a necessidade de equilibrar o orçamento público. O que, lembremos, significa assegurar o pagamento dos títulos da dívida, isto é, assegurar o pagamento de títulos que estão largamente em posse do capital financeiro e que são remunerados por uma taxa de juros que é altamente influenciada pelo próprio capital financeiro.
Nessa linha, por meio de matéria recentemente publicada no Valor Econômico, Luis Stuhlberger, gestor da Verde Asset Mangement, expõe, com detalhes, suas críticas a linha de atuação que vem sendo seguida pela gestão petista. Nela, o gestor argumenta que, relativo aos gastos públicos:
Quando se soma a previdência mais toda a assistência social, esse número já chega a R$ 1,7 trilhão. E para o ano que vem vai ser maior. Por isso que o mercado não se acalma com corte R$ 15 bilhões, porque isso sobe R$ 200 bilhões por ano. A quantidade de gente no Brasil que recebe um cheque do governo por mês é de 111 milhões de pessoas. A massa que trabalha não consegue bancar quem não trabalha. Ainda assim, esses cheques não são grandes. Se tirar a fortuna de todos os brasileiros ricos juntos, você não paga um ano disso. O problema é que é o âmago do pensamento do Lula.
Nenhum país é governável com essa mentalidade, mas o Lula e a esquerda acreditam na teoria de que se distribuir esse dinheiro todo, essas pessoas vão consumir. Em consumindo, a indústria vende, o comércio vende, a economia gira, as empresas pagam impostos e no fim terá valido a pena, porque isso faz o PIB crescer. E quando o PIB cresce, a dívida/PIB não cresce. É um pensamento que deu errado, historicamente, em todos os lugares do mundo.
Não é segredo, portanto, que a premissa de Stuhlberger é de que há uma correspondência entre o que faria bem ao capital financeiro e o que faria bem para a economia brasileira como um todo. O que não chega a ser uma nova leitura. Em outro lugar, argumentos parecidos foram consagrados na frase “what is good for Goldman Sachs is good for America” (o que é bom para o Goldman Sachs é bom para os EUA), que, em tom irônico, deu título a um interessante texto do economista Robert Brenner.
Na prática, no entanto, enquanto essa argumentação vem assegurando ganhos para as instituições financeiras, de outro lado, ela vem sendo acompanhada pelo agravamento do quadro econômico geral (afetando inclusive outras parcelas do capital - principalmente a indústria e os serviços de alta complexidade). Além disso, como veremos em mais detalhes na sequência, é importante notar que a linha argumentativa de Stuhlberger tende a favorecer, em especial, frações do capital financeiro que - além dos ganhos diretos com a posse de títulos - apostam também na direção contrária do desenvolvimento da economia brasileira (ganhando, por exemplo, com a manutenção - em altos patamares - da taxa básica de juros, ou por vias mais especulativas - dólar e títulos).
É importante salientar, contudo, que, quando apresentado como um analista isento, a argumentação de Stuhlberger tende a exercer maior pressão sobre os ombros dos gestores políticos, o que, inclusive, é potencializado pela falta de uma argumentação sistemática e coerente destes. Porém, curiosamente, diante da falta de combatividade do Poder Executivo, outras frações do capital financeiro (que muito provavelmente apostaram numa linha diferente da Verde Asset Mangement, de Stuhlberger) se veem obrigadas a esboçar uma pressão em sentido contrário, buscando salvaguardar, minimamente, a capacidade interventiva do governo.
Um exemplo disso é que, em matéria da Exame, Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG, embora se valendo da mesma lógica, manifestou uma visão muito mais otimista em relação aos rumos da economia brasileira.
A lição dessa divergência carrega um certo tom de obviedade, mas que ainda assim deve ser enfatizado: a leitura econômica de gestores de instituições financeiras é governada pelos interesses dessas mesmas instituições e, portanto, não guarda nenhum tipo de patriotismo ou altruísmo. Por outro lado, como já adiantamos, a pressão continuamente exercida por esses grupos vem colocando o Poder Executivo numa posição extremamente defensiva e com pouca margem para ação.
Nessa linha, chama a atenção como o discurso oficial, de forma reiterada, evita reconhecer essa obviedade e, em consequência disso, evita adotar uma postura minimamente combativa (necessária para a ampliação da margem de ação do Poder Executivo). Assim, enquanto os agentes já mencionados analisam minuciosamente os números e, a partir disso, exercem a pressão necessária para a consecução de seus interesses; o discurso oficial do governo, quando se pretende propositivo, apela para abstrações e, portanto, não exerce efeito prático algum.
Um exemplo bastante indicativo disso foi o discurso de Lula em cerimônia com cientistas brasileiros. Questionando-se sobre as possibilidades de desenvolvimento de uma Inteligência Artificial brasileira, Lula argumenta, em tom romântico, que:
O que o discurso romântico evita reconhecer é que, enquanto o governo federal seguir na defensiva, contando os tostões que poderão ser investidos em ciência e tecnologia, não há brilhantismo individual que possa reverter o quadro. E, mesmo que houvesse, os trilhões de dólares que, no exterior, estão sendo despejados sobre esse tipo de pesquisa, rapidamente dariam conta de comprar esse brilhantismo.
Mas, talvez até mais sintomático do que as diferenças argumentativas, seja o atraso da própria ação governamental. Aparentemente - e também remetendo a gestões pretéritas -, os gestores políticos brasileiro vêm se apropriando de “termos da moda” para esboçar uma reação na corrida tecnológica, mas sem de fato apostar nessa mesma reação. Foi assim, há alguns anos, em torno da indústria 4.0 e volta a acontecer diante da febre da Inteligência Artificial.
Na prática, ao correr atrás de pautas do momento - com recursos muito inferiores ao de seus concorrentes - os gestores políticos brasileiros abrem mão inclusive da inventividade que pleiteiam como um possível redutor do atraso. Num momento em que trilhões de dólares estão sendo aplicados no desenvolvimento de diferentes modelos de inteligência artificial, inclusive causando preocupações quanto à possibilidades de se gerar retorno no curto-prazo, não seria muito mais interessante que recursos federais fossem canalizados para empreendimentos tecnológicos que dialoguem mais diretamente com potenciais e necessidades da economia brasileira?
Basta recordar que há um ano, a questão do momento era o Nova Indústria Brasil (projeto de reindustrialização brasileira) e que, pelo menos num primeiro momento, pouco dialoga com o novo plano de desenvolvimento de Inteligência Artifical (cujas aplicações estão muito mais ligadas ao setor de comércio e serviços).
Novamente flertando com o óbvio, mas é importante reconhecer que: partindo de um quadro de restrição orçamentária, estagnação econômica e atraso tecnológico, a margem para equívocos deve ser extremamente reduzida. Na prática isso significa que o planejamento governamental deve ser altamente preciso, coerente e contar com uma boa dose de inventividade (identificando soluções não óbvias). O que temos visto na realidade, no entanto, é um planejamento que oscila em função dos termos da moda, que apresenta montantes pouco condizentes com o tamanho da tarefa e que pouco avança, por exemplo, na integração de centros de pesquisa, instituições federais de ensino e as poucas empresas brasileiras que ofertam produtos e serviços de alta complexidade.
Apesar disso, o problema central segue sendo a disputa desigual pelo orçamento público; e, nessa arena, a pressão exercida pelo capital financeiro e pelo agronegócio tendo sido suficiente para impor seguidas derrotas ao Poder Executivo. A sua falta de combatividade e inventividade, no entanto, parecem indicar que o cenário deve seguir sem alterações e, o já exaustivo debate sobre o ajuste fiscal, deve ainda passar por várias reedições.
A confirmação desse prognóstico carrega, por fim, algo de muito mais preocupante: na medida em que a economia brasileira permanece estagnada e os competidores externos se distanciam, as possibilidades de reversão do quadro se tornam cada vez menores. Tal cenário inclusive vem causando preocupação no Banco Mundial. Reagir, portanto, é urgente! Mas a reação deve ser rápida, criativa e coerente.