O que querem as Startups?, por Leandro Theodoro Guedes
O movimento do capital nessas empresas segue o mesmo percurso de outros setores
O que querem as Startups?
Por Leandro Theodoro Guedes (@theodoroguedes93)
Recentemente, o empresário Balaji Srinivasan publicou o livro The Network State, no qual enxerga a dominação das startups sobre todas as esferas da sociedade. Seriam essas empresas potenciais formadoras de comunidades, novos países e instituições públicas. Gabriel Gatehouse fez uma reportagem a respeito de uma conferência dada por Balaji. Na reportagem, ele relata a idealização de “mil startups diferentes, cada uma substituindo uma instituição tradicional diferente”. Atribuindo o protagonismo às escolhas individuais, segundo a lógica do empresário, “Você escolheria sua nacionalidade da mesma forma que escolhe seu provedor de banda larga. Você poderia virar cidadão de um pequeno estado-nação cibernético que quisesse”.
Não é desprezível que esse tipo de empresário ligado a essas empresas de tecnologia “não só quer que os governos existentes sejam submissos para que as empresas possam gerir os seus próprios assuntos, como também quer substituir os governos por empresas”.
Há exemplos citados na própria reportagem de casos de empresas que dominaram países e patrocinaram golpes de Estado. Mas chamou a atenção de seu autor o lançamento da chamada Revista Praxis, uma publicação que tem o intuito de divulgar uma utopia imaginada a partir das startups ao sabor do que descreveu Balaji. O repórter apresentou elementos que se destacaram naquele evento: “Ao lado dos memes da supremacia branca e dos anúncios de armas, havia um código QR que levava a um curta-metragem de 20 minutos contra o vazio da vida moderna e com nostalgia por um mundo de hierarquias e heroísmo que já não existe mais”. O que lembrava “um mundo nietzschiano em que os mais aptos sobrevivem, onde a ruptura e o caos dão origem à grandeza”.
Não é surpresa que a ausência de um horizonte real no capitalismo presente alimenta o romantismo com um certo passado glorioso. Assim, utopias que vislumbram uma dominação tecnológica, construídas a partir de mitologias, não são novidade e ganham novas formas, sendo alimentadas pela conhecida ambição dos grandes capitalistas desses setores emergentes. Ainda assim, a própria reportagem reconhece que, dessas utopias, o que se torna concreto são medidas administrativas como as zonas francas, ou zonas outorgadas pelo Estado a empresas, nas quais há incentivos fiscais e coisas do tipo.
Seja como for, essa é uma boa oportunidade para se discutir o que querem as startups e seus gestores. Essas empresas, que são um fenômeno relativamente recente, despontaram em meio à abertura dos setores econômicos ligados à tecnologia da informação. Ligadas também a um momento do capitalismo tardio no qual aumentou o investimento em pesquisa e desenvolvimento pelos grandes monopólios e pelo Estado e as relações entre centros universitários e empresas se intensificavam na busca por inovações tecnológicas, essas pequenas empresas se destacaram contando com profissionais qualificados recém-formados e fontes de investimentos vindas de fundos específicos como investidores de risco.
As big techs de hoje um dia foram startups. Outras empresas, que se tornaram grandes corporações ligadas à gerência da chamada gig economy (como Uber e Upwork), também. O fato de a tecnologia da informação ter se tornado um novo setor a ser explorado, em conjunto com a abertura de vários mercados ligados a ela, permitiu a ascensão dessas empresas e seu estabelecimento como o grande capital temporão.
Mas o que realmente querem as startups? Para além dessas características particulares, como qualquer outra grande empresa, elas não fogem à lógica da sociedade capitalista. Um de seus objetivos é a conquista do Estado, mas não exatamente na forma como idealiza Balaji. Pelo contrário, a esses empresários, interessa o mesmo que a vários outros representantes práticos do capital: o estabelecimento de relações com o Estado que se convertam em medidas políticas favoráveis a seus interesses. As estratégias políticas para isso variam e as eleições estadunidenses mostram esse movimento: Mark Zuckerberg, que comanda a Meta, tem buscado ajustar a conduta do Facebook nas eleições sem aparentar favorecimento a algum candidato depois de a rede social ser acusada de ter operado como canal de transmissão de fake news em outros pleitos; Elon Musk, por sua vez, endossou publicamente a candidatura de Donald Trump. Nem um nem outro deixaram esse pragmatismo de lado para patrocinar utopias.
Se, portanto, está longe do arco de ações mais concretas desses empresários a criação de Estados e comunidades autônomas, o que está no horizonte das startups em relação à sua própria reprodução? A resposta para esta pergunta também não diferencia as startups de qualquer outra empresa capitalista. No seu horizonte estão as possibilidades dadas pela própria lógica da sociedade capitalista. E essas possibilidades nem sempre podem ser escolhidas autonomamente.
Há, como mencionamos, os exemplos de sucesso, nos quais as empresas estabelecem um ritmo de reprodução ampliada e se tornam grandes corporações monopolistas. Nesses casos, inclusive, está se falando de empresas grandes o suficiente para estender suas atividades para outros setores. Os exemplos nesse sentido são de empresas mais antigas, que sobreviveram à disputa concorrencial quando o setor de tecnologia da informação ainda se conformava. Assim ocorreu com a Apple e a Microsoft, que se estabeleceram na produção de computadores pessoais e telefones celulares, ou a Meta, que domina as redes sociais.
Mas considerando que, realmente, o conceito de startup remete a empresas de pequeno porte que apresentam potencial de crescimento por conta de inovações, ao que elas podem aspirar? Diante da concorrência em um setor já dominado pelo capital monopolista, tem sido numerosos os casos de empresas que se destacam, mas acabam sendo absorvidas pelas gigantes estabelecidas. As empresas são compradas, se fundem com outras, ou abrem o capital para receber maiores aportes, rendendo-se a fundos de financiamento. É inclusive interessante analisar dados do próprio Brasil que mostram como as empresas internet e de tecnologia da informação predominam as estatísticas de fusões e aquisições.
Em outras palavras, o movimento do capital nessas empresas segue o mesmo percurso de outros setores. Não há diferenças substanciais. Em que pese a sua relevância, sobretudo como laboratórios importantes de inovações, as startups seguem a mesma lógica da empresa capitalista. Nascem com o mesmo objetivo, buscam o mesmo objetivo e são reféns das mesmas mediações.
A atuação política incisiva dos donos do capital das big techs é, realmente, cada vez mais forte. Mas as criações utópicas que apresentam outras formas de atuação ainda não têm o mesmo espaço do pragmatismo das ações coordenadas que buscam a hegemonia econômica e controle político. Contudo, o sonho de uma nova sociedade como apresentado pela Revista Praxis não pode ser considerado somente como utopia. Ele também reflete algumas posições obscurantistas, autocráticas e reacionárias. Isso tem sido uma marca importante desses gestores do capital. Há algumas semanas, neste blog, mostrou-se como a irracionalidade tem sustentado ações estratégicas desses empresários temerários da regulação da Inteligência Artificial.
As utopias podem não ser plausíveis para um futuro próximo, mas as posições que estão por trás de sua construção têm se manifestado nas ações dessas figuras, fazendo-se presentes nas ações pragmáticas. O que querem as startups mostra que a utopia tecnocrática está distante, mas também revela que o presente pode ser usado como experimento para ela.