... Pois não sabem o que fazem. Ou sabem?, por Elcemir Paço Cunha
“Não sei por que alguém acredita no que a gente fala”, Roberto Campos Neto
... Pois não sabem o que fazem. Ou sabem?
Por Elcemir Paço Cunha (@PacoCunha) (@pacocunha.bsky.social)
O atual debate sobre inflação no Brasil é uma dessas oportunidades que reflete o conflito essencial que está no âmago da vida econômica da sociedade. Muito disso se deve às respostas apresentadas em termos práticos para enfrentar essa pressão inflacionária, especialmente a que rebate nos gêneros alimentícios.
Todos sabemos que a variação dos preços desses produtos afeta mais diretamente as chamadas classes médias e baixas. E o remédio principal para combatê-la, por meio da manipulação da taxa de juros, também. Isso já mostra de partida sobre qual base as medidas são tomadas. É uma alternativa existente na caixa de ferramentas acumuladas ao longo dos últimos cem anos pelo menos. O fato de tomar essa ferramenta e não outra, ou não admitir uma combinação de ferramentas, diz muito a respeito do que está em jogo.
Para a maioria dos analistas formou-se tardiamente a constatação de que as percepções das pessoas sobre a economia (tanto no Brasil quantos nos EUA) desde 2022 eram afetadas pela pressão inflacionária sobre os gêneros alimentícios. Essa pressão era maior do que a média da taxa geral medida e assim segue desde então. Esse problema, especialmente no Brasil, refletiu-se também na aspereza entre executivo e COPOM no último ano, como todos também sabem.
Uma parte do problema envolvia e envolve saber quais fatores estão de fato acionando a inflação de alimentos.
Nesse plano, o COPOM sempre defendeu se tratar de um aumento da demanda. Daí a decisão de acionar uma de suas ferramentas prediletas e subir os juros para desacelerar a economia, gerando desemprego e rebaixando salários. Esse é o plano declarado em suas atas: provocar uma recessão. Essa posição tem amplo apoio entre os economistas mais ortodoxos, operadores das finanças, gestores de fundos. A imprensa em geral, e com exemplos contumazes, os segue de perto como tem sido a praxe há décadas. Ao fundo está o argumento de que o crescimento atual brasileiro não seria sustentável por ir além da capacidade “normal” da oferta, provocando um hiato de produto que força a subida dos preços. Por isso cabe um freio desse crescimento em ajuste à capacidade nacional. É uma teoria cuja história e influência merece atenção. Mas as atas do COPOM não são material informativo suficiente dessa teoria nem de bons fundamentos para as decisões de juros que parecem as embasar.
Noutro caminho, muitos dos chamados heterodoxos já questionavam em 2022 se de fato se tratava de inflação de demanda. Do lado do executivo, aqui e ali apareceu em 2023 timidamente a tese de que a inflação então registrada decorria dos vários aumentos dos custos dos insumos em geral, especialmente os referentes ao mercado internacional desde a pandemia. O ministro Haddad recepcionou Isabella Weber que naquela época já falava a respeito da inflação motivada pelos custos, mas também pelo oportunismo em variados setores econômicos que viram a chance de aumentar, e de modo algo articulado, as suas margens de lucro nessa remarcação dos preços. Ela sugere o caminho do controle estratégico de preços de determinados itens por meio de medidas não meramente formais, a exemplo do México e Espanha. Faltam dados sobre esse quadro de custos e subida articulada dos preços no Brasil.
Com menor audiência e pompa, Baccarin e amigos têm insistido (de modo resumido e aprofundado) no fato de que a pressão inflacionária decorre há muito da internacionalização da produção brasileira de alimentos e sem mecanismos internos de compensação, como estoques reguladores por exemplo. Com a subida internacional dos preços de produtos como café e carne, os preços internos são forçados para cima uma vez que o Brasil é um grande exportador desses produtos. No caso dos lácteos, os preços internos seguem os aumentos internacionais uma vez que o país é um importador.
É coisa certa que a inflação é uma resultante de muitos fatores combinados. Alguns podem pesar mais do que outros em momentos e contextos diferentes. E não é aqui que vamos resolver a questão. Mas dos três grupos de explicações anteriores chama a atenção um fato importante: exatamente o grupo que possui menor influência é também aquele que apresenta melhor qualidade de dados e análise sobre quais fatores têm exercido considerável influência.
Os heterodoxos acima apenas suspeitam que a inflação não seja de demanda. Convenhamos que o executivo não fez muita coisa com essa suspeita desde 2023 no sentido de enfrentar criativamente a questão. Os ortodoxos se apegaram à teoria do hiato de produto e escutam mais os operadores das finanças. As atas do COPOM, compreensivelmente lacônicas, demonstram nada ou quase nada que prove publicamente haver crescimento acima da capacidade, lastreando assim suas decisões que afetarão milhões de pessoas com dor e sofrimento.
A maioria dos críticos dessas medidas sugere que o remédio não é adequado para a doença. Recentemente circulou que o mercado errou 95% das previsões sobre economia e Bolsa desde 2021. Ainda assim continuam sendo aqueles que mais influenciam quando é preciso definir a causa da inflação e as alternativas para domá-la. E não faz muito tempo que Roberto Campos Neto, ex-Banco Central e expoente da ortodoxia, disse não saber “por que alguém acredita no que a gente fala”. Bem, parece que conhecimento das coisas e provas de sua correção não são prerrequisitos para provocar recessão, desemprego e baixa nas rendas a propósito de enfrentar a inflação de preço internacional. Ou, talvez contrariamente a seus críticos, sabem exatamente o que fazem.