A crítica dissimulada da indústria rentista, por Leandro Theodoro Guedes
Receitas financeiras das empresas produtivas
A crítica dissimulada da indústria rentista
Por Leandro Theodoro Guedes (@theodoroguedes93)
Temos comentado neste blog a respeito das reações ao presente ciclo de alta da taxa de juros que já se estende por quase um ano. A respeito deste assunto, uma das consequências mais apontadas por especialistas é a possível recessão econômica e isso tem ganhado audiência nas manifestações das frações da burguesia nacional.
A indústria talvez tenha demonstrado maior preocupação. Em recente publicação, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) se contrapôs diretamente à direção tomada pelo Comitê de Política monetária (COPOM). Segundo tal publicação, a alta desconsidera “os efeitos impactantes dos juros e a taxa de câmbio na própria inflação”. De maneira exortativa conclamam que
“os setores econômicos defendem um pacto nacional, que envolva todos os Poderes, empresários e trabalhadores, pela criação de um consenso em torno de metas fiscais e de políticas econômicas estruturantes, garantindo estímulos seletivos que assegurem a continuidade dos investimentos, enquanto se busca o equilíbrio das contas públicas e o combate à inflação”.
Tornando a questão dos juros em instrumento de conciliação sem desconsiderar a disciplina fiscal, é preciso garantir “medidas de incentivo à inovação, à infraestrutura, à educação e à tecnologia, garantindo uma elevação do PIB no médio e longo prazo, gradual e sustentada”. De maneira enfática, a CNI inclusive se contrapôs à tese do hiato do produto que vem sustentando as decisões de política monetária, de modo que a atividade econômica parece estar longe de atingir sua máxima capacidade:
“Em novembro de 2024, a produção industrial caiu 0,6% em relação ao mês anterior, sendo o segundo mês consecutivo de queda. Ainda, a queda no volume vendido no varejo foi de 1,8% em novembro de 2024, revertendo o crescimento que havia sido registrado em outubro. Já nos serviços, houve recuo de 0,9% em novembro, praticamente anulando a alta que tinha sido obtida em outubro”.
Essa posição mais enfática poderia ser considerada como uma iniciativa de combate direto a um predomínio dos interesses financeiros em detrimento dos setores produtivos. Afinal, como consequência, a alta leva ao encarecimento do crédito e tende a direcionar investimentos para o mercado financeiro em vez de mantê-los nos setores produtivos. A este respeito, contudo, os ciclos de alta da taxa de juros não têm sido mandatórios para o crescimento da dívida pública na forma de emissão de títulos. Os dados do Banco Central mostram um aumento substancial de emissão de títulos públicos quase dobraram nos últimos cinco anos, período em que a taxa de juros também passou por ciclos de queda.
Esta tendência parece encontrar correspondência com o processo de avanço do capital fictício sobre a economia, como apontado por Cédric Durand em seu livro Fictious Capital: How Finance is Appropriating Our Future. Vários são os aspectos que resultam nesse processo cuja explicação mais detalhada não vem ao caso.
Mas em especial, um deles chama a atenção.
Durand aponta para o fenômeno de financeirização das empresas não-financeiras, o que configura o aumento da razão entre receitas financeiras e lucro líquido de empresas produtivas. O autor identificou essa como uma tendência crescente em empresas das principais economias desenvolvidas. Uma rápida análise na economia brasileira dá indicações de que algo parecido acontece por aqui. Guardadas as limitações da extensão dos dados e do período, o gráfico que segue mostra a evolução dessa relação nos últimos anos para algumas das maiores empresas ligadas ao setor produtivo nacional:
Gráfico 1: Relação entre receitas financeiras e lucro operacional de empresas escolhidas do setor produtivo brasileiro
Fonte: Dados para Petrobrás, Raizen, Vale, Gerdau e WEG
Como se vê, à exceção de uma empresa do setor de combustíveis que ainda assim mantém uma proporção alta nessa relação, tem crescido a importância de receitas financeiras para essas empresas. Além de ir ao encontro do movimento internacional identificado por Durand, essa pequena amostra está em desacordo com o que reclama a CNI. Quer dizer, havendo ou não prejuízo para o país, os ganhos financeiros têm crescido nas empresas ligadas a setores produtivos. É bem verdade que esses ganhos podem se dar também no mercado de capitais internacional, e o período em análise não apresentou uma alta contínua da taxa de juros. Contudo, as empresas do setor produtivo estão longe de perder com os estímulos financistas. Se, para os industriais, “fica evidente que o aumento representa mais custos financeiros para as empresas e os consumidores”, o lado que aufere ganhos não é objetivamente admitido, embora isso pareça claro.
Talvez, por esta razão, o discurso inflamado dos industriais tenha permanecido como mero discurso, sem ter se transformado em ações efetivas no sentido de pressionar as decisões do COPOM. Os interesses conflitantes entre capital financeiro e produtivo são cada vez mais raros e assim o rentismo se manifesta indiscriminadamente entre eles. O que não aparece borrado é o conflito classista que em situações como a atual até pode obscurecer os verdadeiros vencedores, mas de modo algum esconde quem perde com a recessão, o desemprego e a persistência da inflação sobre os itens básicos de consumo.