Analisando o panorama econômico, mas de olhos fechados!, por Thiago Martins Jorge
As fantasias que unem EUA, Brasil e a Europa
Analisando o panorama econômico, mas de olhos fechados!
Por Thiago Martins Jorge (@ThiagoMarJor) (@thiagomjorge.bsky.social)
Discutimos, nas últimas semanas, como narrativas envolvendo grandes transformações econômicas, sociais e políticas têm tomado conta do mercado de ideias. Para avançarmos, no entanto, devemos reconhecer que o problema em tela se estende para muito além do simples esforço teórico, interferindo com a própria atuação prática dos agentes. Podemos constatar, sem grandes esforços, que diagnósticos fantasiosos - quanto aos grandes problemas de nossa época - orientam cada vez mais a ação concreta tanto de gestores econômicos quanto dos gestores políticos do capital.
É claro que, do mesmo modo que um pragmatismo mercadológico vem guiando os esforços intelectuais, esse mesmo pragmatismo está muito mais presente quando nos debruçamos sobre a atuação de gestores práticos. Contudo, na medida em que esse pragmatismo aproxima ambos os esforços, a opinião pública tende a abraçar cada vez mais as narrativas fantasiosas e, a partir disso, o processo se retro-alimenta.
Os exemplos contemporâneos desse fenômeno não poderiam ser mais fartos e diversos. Internacionalmente, talvez de forma mais intensificada na Europa, tem-se admitido que esforços recentes, no combate ao cada vez mais iminente colapso ambiental, têm gerado resultados concretos. Embasados em comparativos anuais, gestores econômicos e políticos apresentam dados positivos quanto à adoção de tecnologias “mais limpas” e a redução da geração de dióxido de carbono em território europeu. Porém, para que tais afirmações sejam feitas de cara limpa, deve-se evitar o fato de que a base de comparação é completamente inadequada. Vejamos abaixo:
No gráfico verificamos, facilmente, que a evolução europeia não foi suficiente para, nem mesmo, frear a expansão das emissões globais. Com os devidos recortes, contudo, não é falso afirmar que há uma melhora do cenário em território europeu.
No Brasil, podemos constatar um fenômeno muito semelhante no discurso dos atuais gestores políticos e de seus apoiadores mais entusiasmados. Celebra-se o crescimento econômico obtido nos últimos anos, os ajustes na tabela do imposto de renda e o crescimento do salário mínimo. Porém, diante da referência correta, o cenário não deve gerar tanto otimismo.
Comparando a evolução do PIB brasileiro (em verde claro), em relação aos EUA (verde escuro), à China (azul escuro) e Índia (vermelho), é até mesmo forçoso dizer que há uma melhora no quadro brasileiro.
Podemos constatar, por outro lado, que tirando de cena a referência correta, a evolução brasileira pode gerar ilusões animadoras. Utilizando a mesma base de dados, mas comparando a evolução brasileira com a evolução argentina (amarelo escuro), visualmente a situação fica muito mais acolhedora.
Analisando exclusivamente o segundo gráfico, é razoável inferir que as recentes gestões do Partido dos Trabalhadores geraram efeitos positivos sobre a atividade econômica brasileira. Comparando, no entanto, essa evolução com a de seus competidores, fica claro que os esforços realizados estão muito aquém do necessário para de fato alterar a situação. O mesmo, é claro, aplica-se para os esforços internacionais empreendidos no sentido de evitar o colapso ambiental.
Não poderíamos, entretanto, deixar de mencionar o exemplo mais elucidativo do problema que estamos tratando: o plano de Donald Trump para reerguer a economia estadunidense e a narrativa anti-China.
Não é uma novidade, trazida pela atual gestão trumpista, o movimento de descredibilização da atuação dos gestores políticos chineses. Confundindo fantasia com realidade, economistas, jornalistas e políticos opositores deixaram de reconhecer que o pragmatismo demonstrado pelo Estado Chinês, no disciplinamento tanto do capital quanto da classe trabalhadora, não era um mero capricho ou vocação “autoritária”.
Da sua maneira, os gestores políticos chineses reconheceram que, diante do quadro de longa estagnação apresentado pelo capitalismo contemporâneo, os gestores econômicos do capital evitariam, de todas as formas possíveis, incorrerem em investimentos produtivos de maior montante. Também apostaram que se os investimentos não fossem direcionados pelo Estado, eles não chegariam aos destinos mais racionais para a acumulação capitalista. Reagindo a isso, portanto, criaram mecanismos que, de um lado, incentivaram a realização de investimentos produtivos e, de outro, dificultaram, o quanto puderam, a prática da especulação financeira.
Tal pragmatismo de fato gerou resultados. Enquanto a economia mundial seguiu estagnada, a economia chinesa surfou numa das maiores ondas de crescimento econômico da história do capitalismo. Desse modo, não apenas deixou para trás velhos competidores (como o Brasil), mas se tornou uma ameaça real à hegemonia estadunidense.
Diante desse quadro, mas sem se dobrar à realidade, a gestão trumpista esboça um plano desastrado e espera por um milagre. Inclusive, para evitar a pecha de “autoritarismo”, que foi tão empregada para combater a ação chinesa, manobras discursivas radicais têm sido utilizadas para justificar a truculência tarifária. Como já ressaltamos, o que chama a atenção não é o emprego desses recursos na tentativa de manipular a opinião pública, mas sim o fato de que a ação concreta dos gestores também tem perdido o rumo da realidade.
Poderíamos, nessa linha, argumentar que o cegamento frente às condições objetivas tem sido maior entre as vertentes políticas de extrema-direita. Todavia, devemos reconhecer que o processo que alçou essa mesma extrema-direita a esta condição de tanto protagonismo foi largamente pavimentado por narrativas fantasiosas envolvendo outras frações do espectro político. O exemplo que mencionamos anteriormente (quanto ao enfrentamento da crise ambiental) é inclusive bastante revelador desse sentido.
O fato incontornável é que a crise do sistema capitalista estreitou radicalmente as possibilidades de ganho do capital e, aos poucos, vem condenando a humanidade a um destino cada vez mais desalentador. Porém, no dilema entre admitir o esgotamento do sistema capitalista ou fechar os olhos e apelar para soluções fantasiosas, a segunda opção foi aclamada por unanimidade pela sociedade do capital.