O que já sabemos e o que podemos inferir sobre a bolha de IA, por Thiago Martins Jorge
Das Big Techs à DeepSeek
O que já sabemos e o que podemos inferir sobre a bolha de IA
Por Thiago Martins Jorge (@ThiagoMarJor) (@thiagomjorge.bsky.social)
Gerada por IA
Antes mesmo de qualquer um de nós conhecer a empresa chinesa DeepSeek, a formação de uma bolha econômica, a partir de ações de empresas de IA, já era largamente repercutida. Essa bolha, inclusive, parecia tomar proporções inauditas quando o recém empossado Donald Trump anunciou investimentos trilionários no setor. Todavia, pouco depois, a DeepSeek surpreendia o mundo com a sua própria versão do ChatGPT (discutivelmente melhor, mas indiscutivelmente mais barata). E, em consequência disso, o valor de mercado das ações das Big Techs (e empresas ligadas a elas) registraram quedas também trilionárias.
Tais quedas inclusive foram puxadas pela produtora de chips, Nvidia, que, para muitos analistas, é a empresa mais sólida dentro da cadeia de valor da Inteligência Artificial. Sua solidez viria do fato de seus chips integraram tanto o funcionamento dos data centers, quanto, mais diretamente, o funcionamento dos modelos de IA. Ainda assim, a estrutura que possibilitou o lançamento da DeepSeek seria tão mais econômica, em termos de energia e processamento, que ameaçaria a saúde financeira da própria Nvidia. E, desse modo, estaríamos finalmente atingindo o momento em que a bolha do setor não mais se sustentaria.
Por outro lado, devemos reconhecer que, no estágio atual do modo de produção capitalista, mesmo que a atuação das Big Techs se mostre de fato virtuosa, tal fato, por si só, não exclui a possibilidade de formação de uma bolha.
Para elucidarmos esse fenômeno, podemos indicar que num contexto de grande ociosidade de capitais (ou seja, de poucas opções atrativas para investimentos), na medida em que surgem empreendimentos com grande potencial, é quase natural que esse capital ocioso corra para financiar tais empreendimentos. Assim sendo, ainda que esses empreendimentos gerem lucros elevados (em termos absolutos), esses lucros podem não acompanhar o volume de capital aportado, o que implicaria em baixas taxas de lucro e, portanto, em baixos retornos para seus investidores.
Nessa linha, o que estamos sugerindo é que não há dúvidas quanto à formação de uma bolha de IA e que o setor foi abalado pelos eventos da última semana. A grande questão é qual a magnitude dessa bolha e qual o impacto, no médio e longo prazo, do ingresso de competidores chineses.
Diante disso, podemos esboçar dois cenários que, atualmente, se mostram factíveis e, a partir deles, inferirmos alguns dos possíveis desdobramentos. Começaremos, portanto, olhando para a China e depois voltaremos nossa atenção para o Vale do Silício.
Para os observadores mais simpáticos ao empreendimento chinês, os acontecimentos da última semana marcaram o ingresso definitivo do sistema produtivo chinês no degrau mais elevado das cadeias produtivas globais. Em outras palavras, apesar de todos os boicotes, a China teria finalmente ingressado nos setores tecnologicamente mais avançados.
Para melhor contextualização, apresentaremos um elemento que fortalece o argumento e outro, no entanto, que o enfraquece.
O elemento fortalecedor é o sucesso recente do setor de carros elétricos chineses. Ainda que tenha sido feito sem tanto alarde (como Trump vem fazendo), o setor já vem sendo alvo de aumento de tarifas no âmbito da União Europeia, com fins claros de preservar o setor automobilístico alemão e francês. O que, há poucos anos, parecia impensável. Poderíamos acrescentar, inclusive, que a própria Tesla (do Elon Musk), no último ano, colheu números proporcionalmente inferiores em relação à BYD (principal empresa chinesa do setor).
Do outro lado da balança, e retornando ao setor de IA, devemos reconhecer que a DeepSeek pode ter sido beneficiada por aquilo que, dentro da literatura de estratégia empresarial, é conhecido como os benefícios de ser a second mover. Se for verdadeiro, a maior eficiência apresentada pelos softwares da empresa chinesa não expressaria o sucesso de uma pesquisa de base tão extensa como a que foi realizada no Vale do Silício e possibilitou o surgimento do Chat GPT, Gemini, entre outras ferramentas de IA.
Em outras palavras, os softwares da DeepSeek podem ter sido potencializados pela engenharia reversa dos modelos estadunidenses já existentes. Assim sendo, não há garantias de que a empresa assumirá a dianteira do setor ou estenderá o seu sucesso para outras pontas (que não o dos grandes modelos de linguagem). Enquanto que as empresas estadunidenses contariam com pesquisas de base mais sólidas, as quais, dentro de alguns anos, podem permitir que deem maiores saltos.
Lembrando que, paralelamente ao desenvolvimento dos modelos de linguagem e de criação de imagens, há uma grande corrida em direção ao que tem sido chamada de Inteligência Artificial Geral (AGI). Essa teria, de fato, uma inteligência similar à humana e seria adequada para ser instalada em robôs industriais, autômatos e uma série de outros equipamentos. Quanto a isso, devemos, no entanto, advertir que, para muitos analistas, esse empreendimento confunde elementos ficcionais com elementos reais, o que, de fato, tem sido comum no discurso dos gestores das Big Techs (o que, contudo, não assegura que não há um fundo de verdade por trás de todo o barulho).
Retornando ao Vale do Silício, e para colocoarmos os prejuízos causados pelos últimos eventos nos termos corretos, devemos mencionar um evento que vem sendo indicado pelo analistas mais atentos. Apesar da queda vertiginosa no valor de mercados das empresas estadunidenses, essas quedas não incidem sobre suas capacidades de caixa e de realizarem futuros investimentos.
Usualmente, quando uma bolha econômica se forma, as empresas que mais alimentaram a sua formação são as menos prejudicadas. Isso acontece porque tais empresas realizam os ganhos no momento da Oferta Pública Inicial (IPO) das ações. Os eventos posteriores, portanto, influenciam somente o valor dos papéis que se encontram na mão de investidores e não mais da empresa. O problema só as alcança, caso necessitem fazer novas ofertas de ações, que, neste caso, devem ser feitas na baixa.
Nesse momento, no entanto, o que poderia ameaçar mais diretamente os interesses das Big Techs seria os cortes nos aportes de investidores externos, como o anunciado por Trump. Considerando, no entanto, o íntimo relacionamento estabelecido entre Musk, Altman, Zuckerberg e Trump, tais cortes não devem ser seriamente considerados. Assim sendo, tais atores pouco têm a se preocupar no curto-prazo.
No médio e longo prazo, resta, contudo, saber até que ponto os monstruosos investimentos já realizados criaram uma estrutura de pesquisa de base que gerará insumos para o surgimento de modelos cada vez mais potentes e até que ponto as empresas chinesas serão capazes de seguir acompanhando tais movimentos.
Por outro lado, mais chocante do que o surgimento da DeepSeek, seria o cenário - por enquanto hipotético - em que China de fato tome a dianteira no setor. Tal reviravolta não só seria uma incrível demonstração de força da experiência chinesa, mas também escancararia que os investimentos realizados nos EUA foram orientandos especulativamente (e há precendetes para isso em outros momentos da história estadunidense1). Neste caso, todo o valor de mercado das grandes empresas do Vale do Silício seria, cedo ou tarde, corroído e, aí sim, estariamos diante de uma imensa bolha econômica.
Ver CHANDLER, A (2005). Inventing the eletronic century: the epic story of the consumer eletronics and computer industries.