A contradição final? Estado, capital e tecnologia no setor da exploração espacial, por Henrique Queiroz e Rafael Silva Santos
As tendências que já têm se configurado no horizonte de análise são as velhas conhecidas contradições do capital que se expressam aqui no planeta Terra
A contradição final? Estado, capital e tecnologia no setor da exploração espacial
por Henrique Queiroz e Rafael Silva Santos
A complexidade do tema da exploração espacial pela humanidade é algo notadamente reconhecido, diante das diferentes propostas e profundidades de desenvolvimento já alcançadas, nas mais variadas áreas do conhecimento científico. Acompanhar a relação entre o fundo público dos estados e o interesse de exploração econômica por entes privados possui grande relevância no tema, já que um dos elementos nodais da temática perpassa sobre o desenvolvimento tecnológico no setor aeroespacial.
Neste mesmo blog, já foram sinalizados alguns setores que possuem íntima conexão com a exploração espacial. A inteligência artificial e as chamadas bigtechs estão relacionadas com os direcionamentos da expansão da exploração espacial sob interesses privados, e apresentam rusgas no relacionamento entre estado e capital que, hoje, começam a descortinar seus verdadeiros interesses.
Ainda em 2007, os problemas oriundos da disputa sobre quem deterá a condução da ponta tecnológica no setor foram apresentados por uma ação chinesa. A destruição de um satélite descontinuado provocou a emissão de vários destroços pela órbita terrestre e a consequente busca da responsabilização de países por questões relativas ao avanço da humanidade. Seria o último lugar onde capitalismo poderia chegar? Nesse sentido, seria a contradição final?
A fronteira final começa a ser assediada pelo interesse comercial privado (mais aparente no caso turismo orbital), mas por detrás de tal aparência, há todo um processo histórico que promoveu uma inflexão nos direcionamentos dos recursos e pesquisas investidas no setor aeroespacial, com grande ênfase no setor tecnológico.
Existem, atualmente, pesquisas exploratórias no tema que buscam determinar as principais relações que envolvem a história da atividade da exploração espacial sob as categorias da Crítica da Economia Política. Por envolver governos nacionais e questões sobre os determinados usos da órbita terrestre e do espaço, apresentam os primeiros desenvolvimentos e tendências no sentido de sua exploração sob a forma de apropriação privada. Um dos primeiros passos dados no Brasil é o livro “Complexo industrial-militar e tecnologia: a inflexão da pesquisa científico-militar estadunidense como gestante da inovação tecnológica após os chamados anos dourados”.
Ao analisar o arranjo produtivo que envolve a relação entre empresas privadas e o investimento estatal na área da exploração espacial, o complexo-industrial-militar dos Estados Unidos passou por uma profunda mudança no impulso pelo desenvolvimento tecnológico, determinada pela queda nas taxas de acumulação do capital no pós-segunda guerra. Por isso, hoje, assistimos as empresas privadas avançarem no desenvolvimento tecnológico de ponta nos EUA, pois a partir de programas de incentivo financeiro desenvolvidos aos longo dos anos 1980 àqueles que apresentassem as melhores inovações, abandonou-se o modelo institucional de inovação com centralidade em um Complexo Industrial-militar-acadêmico e aproveita-se das capacidades científicas desenvolvidas em pequenas empresas, com projetos de alta complexidade para atendimento de objetivos científicos, militares e industriais. Esse modelo financiou o surgimento das atuais grandes corporações no setor tecnológico dos EUA e sua utilização para a “conquista” do espaço, gigantes esses que se colocam em competição com a China pelo domínio da fronteira final e, portanto, da finalidade da expansão da humanidade.
É relevante partir da questão considerando a complexidade de elementos históricos em vários níveis que a temática espacial possui. Na esteira do processo da ascensão chinesa, os conflitos sobre o uso do espaço sideral tendem a se tornar, novamente, um dos elementos a serem considerados na investigação científica sobre as relações entre estado e capital no setor aeroespacial. A temática absorve uma infinidade de novas questões, que permitirão avançar na compreensão dos meandros da disputa que se anunciam, há tempos, entre as duas nações que competem no setor, ainda que sob diferentes formas de gestão do capital.
Os efeitos que determinadas ações de governos nacionais possam tomar afetam o conjunto de possibilidades e tendências colocadas no horizonte do avanço da última fronteira da exploração humana. Entretanto, não há sinalização de que os avanços científicos do setor aeroespacial sejam capazes de se orientar no sentido do ordenamento e controle social do modo de produção capitalista. Estas novas formas de conflitos oriundos da relação contraditória do modo de produção a que estamos atados, por questões de ordens físicas, não podem utilizar o espaço sem afetar toda uma gama de atividades das mais diversas ordens por todo o globo.
É por isso que tal estudo deve receber uma longa excursão investigativa, para que possam ser localizados e apropriados pela pesquisa os debates atuais sobre a miríade das aplicações das tecnologias espaciais e determinadas tendências da exploração espacial. Após tal aquisição, deve-se adentrar com as categorias da Crítica da Economia Política no debate e enfrentar tais complexas questões sobre as possibilidades do avanço das forças produtivas e o acesso e uso viável do espaço sideral, de modo que se consiga determinar, pela base material, os setores econômicos e científicos das nações que envolvem o tema e explorar seus processos e tendências atuais.
Estas preocupações ainda podem estar longe da “ordem do dia” no debate público, pois a estratégia que se delineia com estas ações indica que a exploração espacial deve ser realizada por robôs e máquinas com inteligência artificial, dados os conhecidos danos biológicos, psíquicos e sociais que a vida humana no espaço causa. É importante acompanhar o setor das bigtechs e da inteligência artificial não como mero capricho ou moda teórica, mas devido ao fato de que ela será crucial para o desenvolvimento do futuro da humanidade no espaço. O anúncio da “revolução” da inteligência artificial aponta, na verdade, para caminhos já descritos por historiadores de grandes corporações, onde após o período de alta especulação, tende a consolidar setores intermediários que servirão de base para os desenvolvimentos tecnológicos que atenderão às necessidades das gigantes do setor, e dos interesses científicos, militares e industriais atrelados a estas grandes corporações.
As tendências que já têm se configurado no horizonte de análise são as velhas e conhecidas contradições do capital que se expressam aqui no planeta Terra. Onde o capitalismo alcança, precisa levar consigo o militarismo e a propriedade privada, a consequente necessidade do Estado, além de levar também a destruição do meio ambiente a partir de práticas predatórias de exploração. O que se vê no debate público sobre o tema são questões relacionadas justamente à militarização do espaço sideral, o acúmulo de detritos espaciais, a propriedade privada sobre corpos celestes, dentre novas questões que surgem, à medida que as conquistas da humanidade continuem tolhidas pelas amarras da pré-história.